segunda-feira, 21 de julho de 2008

Arquivo: O melhor ano da Telecartofilia no Brasil

Desde o lançamento oficial do cartão telefônico no Brasil, em junho de 1992, muitas matérias sobre a telecartofilia foram publicadas em jornais, revistas e internet.

Com o objetivo de preservar essa história, o Blog Telecartofilistas estará republicando algumas dessas matérias. Para quem ainda não leu é uma boa fonte de informação. E para quem já leu, sempre é bom relembrar.

O artigo a seguir foi publicado na revista Galileu da editora Globo em sua edição número 103, no ano de 1999.

Se ligue na onda dos cartões

Compras, vendas, trocas, leilões, feiras: é a telecartofilia, um hobby que já virou negócio

Por Lúcia Karam

Para um número crescente de pessoas, além da finalidade óbvia - ligar de um telefone público -, cartão telefônico serve como objeto de coleção e até meio de vida. Atraídos pela beleza das imagens, começaram a juntá-los, a formar álbuns, a fazer trocas, a comprar os que faltam, a vender os repetidos. E pronto: o que era hobby virou negócio. Calcula-se em 300 mil o número desses colecionadores no Brasil. A uma atividade com tal número de adeptos não poderia faltar um nome: telecartofilia.
O novo mercado floresce, espalhado por lojas, ambulantes, feiras livres e anúncios na Internet, e é estimulado por valiosas raridades. Certos cartões podem valer até 2 mil reais, como um inglês de 1997 que mostra o jogador Romário. Detalhes como uma imagem atraente, uma técnica especial de impressão, ou uma tiragem pequena valorizam a peça e aumentam sua procura. O surgimento de novas operadoras de telefonia - no Brasil são 31 -, a variedade de imagens e a oscilação no volume dos lançamentos estimulam a expansão do negócio.

O advogado paulista Marcelo Hideo Motoyama, de 33 anos, que junta selos desde menino, é um dos grandes do ramo: exibe a respeitável coleção de 50 mil cartões de todo o mundo, que costuma negociar via e-mail. Ele valoriza o aspecto educativo da atividade: "As crianças que colecionam se tornam adultos melhores. A necessidade de organização concentra a mente em algo objetivo, faz a pessoa ter uma meta", diz.

Marcelo distingue os colecionadores dos "ajuntadores" - os que guardam cartões sem critério algum. "Não aprenderam ainda", avalia, e explica que é preciso colecionar por temas, já que não é sensato querer ter todos os cartões do mundo, ou mesmo do Brasil.

A home page que ele abriu na Internet noticia lançamentos, relaciona países que comercializam cartões, contém anúncios de compra, venda e troca e faz até leilões: o usuário digita uma senha e dá um lance entre 5 reais e 300 reais, num horário determinado.

Também para o médico Ítalo Wagner Lobo Filgueiras, de 29 anos, de Sobral, CE, a Internet é o meio de manter a coleção em dia. Antes, colaborava com as coleções dos outros: o pai juntava garrafas de aguardente; uma prima, bonecas feitas com bolas de gude. Há dois anos e meio, começou a guardar os cartões gastos nas ligações à namorada. Já tem 2.250 peças organizadas em pastas, que deixam à mostra as informações do verso. "Você pode viajar por vários locais, conhecer regiões, países, pessoas." Ele também guarda canecas de várias partes do mundo, mas os cartões são "a coleção do coração".

Memória viva
A motivação varia como as estampas. Para o escriturário Luciano Ferreira de Melo, de Gurupi, TO, foi satisfazer o filho de 7 anos, atraído pela beleza das figuras e pelas informações. Já os irmãos José Luiz e Elisângela Souza, de Itajaí, SC, juntaram 1.600 cartões para cultivar a memória: "No futuro, poderemos nos lembrar de coisas antigas", diz José Luiz. Paulo Sérgio Aviles, inspetor de qualidade numa empresa de Santo André, SP, viu nos cartões um meio de atrair o interesse do irmão, paraplégico depois de um acidente de carro: há mais de um ano o quadro de saúde dele melhora e a coleção já tem 2.500 peças.

Outros se ligam a um estímulo financeiro. "Gosto de colecionar porque os cartões relatam as peculiaridades de cada região, sua fauna, sua flora e suas paisagens", diz o administrador paulista Sérgio Pascoal Trota, de 38 anos, mas acrescenta: "Não dá para dissociar coleção de aplicação". Dono de cerca de 7 mil cartões acumulados em cinco anos, ele já começou pensando em investimento e chegou a pagar 500 reais por um cartão raro com a imagem do autódromo de Londrina.

Clube cresce
A mania dos cartões deu uma profissão ao ambulante Douglas Ribeiro: diariamente ele vende cartões usados - a R$ 0,50 em média - na banca que mantém no centro de São Paulo. Já o bancário Amarildo Domingos e a esposa Solange transformaram o hobby em bico de fim de semana: todo domingo, armam banca ao lado de mais quatro do ramo no estacionamento da feira da praça da República, na capital paulista. Lá, na banca de Joaquim Muniz, colecionador há seis anos e vendedor há seis meses, está o jogo completo de cartões com fotos dos jogadores da seleção brasileira na última Copa do Mundo, por 70 reais.

O que o especialista Marcelo Motoyama chama de negócio de futuro são os chamados cartões de mídia: uma empresa escolhe imagem, tiragem e pontos de distribuição, e paga uma parte para a empresa de telefonia, que concede a licença e exige uma tiragem extra para distribuir entre os sócios. Outra forma de lucro das operadoras, segundo Motoyama, são os lançamentos de pouca tiragem, que fazem o colecionador comprar o cartão antes mesmo do usuário: a operadora sai lucrando, porque os créditos das ligações acabam não sendo usados.

A Telefônica, concessionária de São Paulo, montou em dezembro de 1998 uma loja que funciona como ponto de venda, o Clube da Telefônica. O preço é o de mercado, mas os cartões de mídia têm valor diferenciado. O clube já tem 3.772 cadastrados, dos quais 1.635 sócios colecionadores e 2.137 clientes associados.

A empresa já emitiu cerca de 250 estampas. O sócio colecionador recebe todos os cartões e pode pedir, pelo catálogo bimestral, até dez unidades de um mesmo tema, além de ter garantidos os cartões de tiragem limitada. Já o cliente associado seleciona temas e quantidades de seu interesse, mas fica restrito ao disponível no estoque. Nas duas modalidades, pagam-se 20 reais ao ano. A página do clube na Internet, com versões em inglês e espanhol, contém o título de cada cartão, tema, tiragem, créditos e se está disponível.

Início em 92
A Itália foi pioneira na telefonia com cartão, há mais de 20 anos. Na Europa, há muitas feiras e eventos de telecartofilia, mas é no Japão que a produção e a variedade são maiores. No Brasil, os primeiros foram lançados na Eco-92 - conferência mundial da ONU sobre meio ambiente reunida no Rio -, mas só se popularizaram a partir de 1995, quando os telefones de fichas começaram a ser substituídos.

Em muitos países há cartões que funcionam pelos sistemas óptico, magnético e de chip. O brasileiro é do tipo indutivo, feito em geral de plástico e uma camada de tinta. Entre o plástico e a tinta fica uma película metálica de estanho e chumbo, com furos, que são as células indutivas. A cada impulso, o aparelho telefônico gera uma corrente que queima uma parte da película.

O engenheiro Nelson Guilherme Bardini, de Campinas, SP, começou a estudar o sistema indutivo quando trabalhou na Telesp e no centro de pesquisa e desenvolvimento da Telebrás. Seu amigo dentista José Marques Barboza, que preside o Centro Temático de Campinas, fez uma coleção sobre a evolução dessa tecnologia. E Bardini, hoje dono de uma firma que produz e fornece cartões indutivos, é estimulado por colecionadores a estudar uma inovação: a criação de um cartão redondo. "Os colecionadores tornam meu trabalho gratificante", diz.

Telecartofilia é cultura! Colecione cartões telefônicos.